Sermão de Santo António aos Peixes

1.       Esta obra, Sermão de Santo António aos Peixes, integra-se num vasto conjunto de textos (mais de duzentos sermões foram escritos pelo autor) daquele que foi uma personalidade marcante, no contexto do séc. XVII, quer em Portugal e no Brasil quer na própria cena europeia.

2.       A obra de Vieira inscreve-se no apogeu da influência da estética barroca em Portugal e tem, em face disso mesmo, uma feição cultista e concetista. Ou seja, a par do trabalhado da forma (expressão escrita), através de jogos de palavras e rebuscamentos estilísticos, apresenta ainda uma complexidade concetual, que decorre do artifício do pensamento.

3.       O Sermão de Santo António aos Peixes foi escrito no Brasil e proferido no dia 13 de junho (dia de Santo António) de 1654, em S. Luís do Maranhão. A intenção moral e política do texto era defender os índios brasileiros contra os colonos que os queriam escravizar. Após esta pregação, Vieira embarca mesmo para Portugal com o objetivo de interceder pelos índios junto do rei.

4.       De acordo com as regras de construção de um sermão, o texto parte do conceito predicável (passagem bíblica) e atenta ao facto de se homenagear nesse mesmo dia um santo maior da Igreja, Santo António. Como o próprio autor refere, no sermão, «melhor é pregar como eles, do que pregar deles». E assim se entende o título atribuído ao texto, que remete para a imensa alegoria apresentada no sermão, a partir de um exemplo da vida de Santo António: a sua pregação aos peixes, porque os homens o não queriam escutar.

5.       Recorde-se que durante uma missa, o sermão é proferido, após as leituras prescritas para esse mesmo dia dos textos sagrados do Antigo e do Novo Testamento, e que a passagem bíblica que se comenta, na abertura do sermão, é retirada do Evangelho de São Mateus, quando Cristo é apresentado como falando aos seus discípulos, dizendo-lhes «Vós sois o sal da terra».

6.       A nível da estrutura, um sermão é constituído pelo exórdio (introdução), exposição e confirmação (desenvolvimento) e peroração (conclusão).

7.       No Sermão de Santo António aos Peixes, o exórdio centra-se no comentário ao conceito predicável, «Vós sois o sal da terra» e na evocação e homenagem a Santo António, que permite ao autor desencadear a maravilhosa alegoria dos capítulos seguintes: a pregação dirigida aos peixes.

8.       No âmbito do desenvolvimento (capítulos II a V), o autor começa com os elogios em geral aos peixes, distinguindo as virtudes que dependem de Deus (foram os primeiros a serem criados; foram os primeiros a serem nomeados; são os mais numerosos e os maiores) das suas virtudes naturais (a sua obediência e aparente uso da razão; afastamento dos homens, pois não se domam nem se domesticam; terem escapado ao dilúvio, visto não terem pecados). Por contraste, critica-se a humanidade que, à exceção dos santos homens, não possui estas virtudes. Seguem-se, depois, os elogios em particular e, neste caso, a analogia estabelece-se com um homem santo (Santo António). Neste âmbito, são referidos o «santo peixe de Tobias» (que sarou a cegueira e lançou fora os demónios; tal como Santo António que sarava a cegueira dos ouvintes e expulsava os demónios ), a Rémora (que se pega ao leme de uma nau e a prende; tal como Santo António que domava, só com a língua, a fúria das paixões humanas), o Torpedo (que faz tremer o braço do pescador e não lhe permite pescar; tal como Santo António que conseguia que, ouvindo as suas palavras, os homens se emendassem) e o Quatro-olhos (que defende-se dos peixes e defende-se das aves, olhando para cima e para baixo; este é o conselho a ser dado aos homens que devem ter os olhos postos no céu e no inferno). Após os elogios, apresentam-se os defeitos dos peixes (porque onde há que elogiar, para que se siga o exemplo, também há que repreender, para corrigir e evitar os defeitos) em geral e a analogia estabelece-se com a humanidade, sendo afirmado que os peixes se comem uns aos outros e criticando-se também a sua ignorância e cegueira. Termina, o quinto capítulo, com as repreensões em particular, onde se estabelece a analogia com tipos psicológicos da sociedade humana, os Roncadores (os soberbos e orgulhosos), os Pegadores (os parasitas e os aduladores), os Voadores (os presunçosos e ambiciosos) e o Polvo (que representa os traidores). As repreensões representam, no seu conjunto, a sátira à sociedade do século XVII.

9.       No sermão, encontramos, por outro lado, as três finalidades da retórica: docere (que consiste na transmissão de noções intelectuais, ou seja, a exposição dos argumentos); movere (que consiste no objetivo de comover o auditório, apelando fortemente às emoções dos ouvintes); delectare (que consiste na arte de falar sem provocar aborrecimento, ou seja, agradando a quem ouve).

10.   Em termos do discurso e da eficácia argumentativa de Vieira, contam-se as citações bíblicas e de doutores da Igreja e de santos e os exemplos retirados da sociedade que conferem validade a todos os argumentos que são apresentados.