Lírica camoneana
1. Esta vertente da obra de Luís de Camões, o mais insigne poeta da língua portuguesa, é de um rico lirismo, dominado pelo tema do Amor e no qual se sente que está presente também «um saber de experiências feito», entendido, em larga medida, como uma dimensão autobiográfica da sua obra.
2. A lírica camoneana só foi editada, após a morte do poeta, em 10 de Junho de 1580, e consta de duas edições de “Rimas”, uma de 1595 e outra de 1598.
3. Embora Camões tenha sido um verdadeiro poeta do seu tempo (séc. XVI), marcado pela originalidade das descobertas do novo mundo, e pelo novo estilo das composições em forma de soneto, surgidas em Itália e trazidas para Portugal por Sá de Miranda, ele soube igualmente aproveitar o melhor da tradição medieval peninsular, numa parte significativa da sua obra lírica. Ou seja, apresenta uma feição tradicional, ao gosto da tradição lírica peninsular, e uma feição renascentista, influenciada pela estética nova do Renascimento.
4. Na tradição poética da poesia trovadoresca e da poesia palaciana, com o uso da medida velha (versos de cinco ou sete sílabas métricas – redondilha menor ou maior), inscreve-se um importante conjunto de poemas de Camões, organizados, do ponto de vista da estrutura formal, em mote e voltas. Nesses poemas, os temas são em tudo semelhantes aos das cantigas da poesia trovadoresca, tais como a rapariga que vai buscar água à fonte ou que chora pela ausência do amigo, ou ainda os temas da submissão amorosa. Há ainda os poemas de entretenimento, dentro do gosto da poesia palaciana.
5. Camões é, contudo, como já referido, um poeta do seu tempo. E, neste sentido, grande parte da sua obra lírica é influenciada pelas novas composições renascentistas, como seja o soneto, onde está presente a medida nova (versos decassilábicos), e, nas quais, o poeta, de acordo com as características do Renascimento, desenvolve uma estética de imitação. O modelo da poesia lírica renascentista é Petrarca, poeta italiano do séc. XIV, pelo que Camões é influenciado pelo seu exemplo do Amor ideal, no qual a mulher amada é idealizada e contemplada como um ser perfeito e inacessível, causadora de sofrimento.
6. A influência de Petrarca está bem presente na poesia camoneana no que diz respeito ao tema do Amor e à visão da mulher, a qual se conjuga com a influência igualmente da tradição peninsular da poesia provençal (cantigas de amor da poesia trovadoresca) e com o romance cortês, nos quais estes temas adquiriam um caráter espiritualizante senão até religioso.
7. Por outro lado, para além dos poemas de temática amorosa, inscrevem-se ainda os poemas onde está patente uma experiência de vida, neles o sujeito poético surge dominado por um destino cruel, onde o sofrimento e a dor estão sempre presentes. Ou seja, o bem «se algum houve» é sempre passado e o presente já não lhe permite o contentamento.
8. De acordo com a estética do Renascimento, o grande poeta era aquele que seguia uma estética de imitação dos modelos clássicos e que, ao mesmo tempo, era capaz, através do seu génio criativo, de os superar. Tal acontece com Camões, quer na epopeia Os Lusíadas quer na sua obra lírica em geral. De facto, Camões não se limita a imitar, o seu génio permite-lhe recriar a partir dos modelos que se lhe apresentam, dando um cunho original às suas obras literárias, que, embora partam de uma estética de imitação, são capazes de superarem os modelos da época.